terça-feira, 12 de abril de 2011

O olhar do outro - parte 2




Pode-se também olhar o próximo mostrando-se chocado com as diferenças, o que não deixa de ser um julgamento. O racismo, por exemplo, é um julgamento que leva em si uma sentença de morte.

É também condenar o outro marcá-lo com um carimbo negativo, concluindo que definitivamente ele não pode mudar. Recusa-se assim ao outro a possibilidade de transformar-se, de viver, de evoluir. Eis aí um julgamento definitivo.

O olhar do outro é fundamental para os casados, porque o olhar justo é a imagem do olhar de Deus.

É no olhar de Deus que Pedro, tendo negado a Cristo, vê não só o perdão mas também o seu resgate, a sua transformação e o seu dever espiritual. É no olhar de Deus que a pecadora descobre não só o perdão mas também a possibilidade de uma vida nova: "Vá e doravante não tornes a pecar!" (Jo 8, 11). Que confiança e que fé nesta palavra! Se Deus não tivesse tido fé no homem que pecou e d'Ele se afastou, o homem não poderia ter fé, nem em Deus, nem nele próprio. Ele simplesmente não poderia reconciliar-se.

Como o olhar do outro é importante! Se ele é indulgente, amoroso, cheio de esperança, que possibilidades não dá de o outro realmente mudar, evoluir, transformar-se. A graça passa sempre através do olhar de cada um dos cônjuges. Eis um dos principais pontos de apoio da vida espiritual do matrimônio.

Cada um vê como ele se vê a si próprio. Se a pessoa descobre sua alma no olhar de Deus -que mostra as faltas ao mesmo tempo que perdoa- é nessa experiência de ser perdoado, isto é, amado, que a pessoa haurirá a graça do perdão, segundo as palavras sagradas do Pai-nosso: "Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam" (Mt 6, 12).

Se, porém, o homem culpa-se a si próprio, não se perdoa por orgulho, isto quer dizer que se julga e se condena, estimando que só sua opinião sobre si próprio é importante. Recusa então o olhar de Deus. Será ele infalivelmente impiedoso para com o próximo e o cônjuge. O olhar de Deus é TUDO na vida espiritual e particularmente na experiência mística do matrimônio.

Se falta este olhar, então o coração é ocupado pela visão do mundo, com sua sabedoria, suas leis, seus desastres e guerras. A secura espiritual reinará no coração deste homem. Homem e mulher continuarão o pecado de Adão e Eva que, seduzidos pela serpente, preferiram conhecer, isto é: ver o outro, o mundo e a eles próprios com o próprio olhar, sem o olhar de Deus. Descobrem então o bem e o mal.

Esforço ascético importante, que todos devem fazer, além de pedir na oração humilde é converter-se, voltar no olhar de Deus, na sua luz que tudo ilumina, distingue e transfigura.

Uma das grandes tentações do falso amor é aquela da monotonia e da uniformidade. A obrigação de serem ambos iguais. Isso é contra a Trindade. Deus é uno na essência mas distinto nas três pessoas. Cada pessoa é diferente das outras duas, embora haja igualdade na essência e na unidade.

O mau julgamento está não só em constatar diferenças mas em pôr obstáculos à vida pessoal: "Se você não for como eu, não poderemos viver juntos! Torne-se igual a mim!" Isso é a negação da encarnação. Se Deus continuasse Deus, o homem não poderia jamais ser deificado. Deus tornou-se homem, permanecendo Deus, para que o homem se tornasse Deus, permanecendo homem. Deus tornou-se "nós", para que nós nos tornássemos "Ele"!

O amor real é a revelação de pessoas e de naturezas. Deus não uniformiza nem faz desaparecer a humanidade em proveito da divindade. Deus não destrói a hipóstase-pessoa mas, ao contrário, revela a identidade profunda e real do outro. No verdadeiro amor, cada um se esforça por tornar-se o outro, isto é, por estar aberto à vida e olhar do outro.

Quanto mais o homem converge para Deus e recebe a natureza divina, pelas energias incriadas e pela adoção, tanto mais sua verdadeira hipóstase lhe é revelada. Mais e mais a pessoa descobre sua unidade com o cônjuge no casamento e renuncia a si mesmo, a seus antigos preconceitos, por amor ao outro. Mais renasce para sua verdadeira pessoa espiritual, para o homem interior.

Aquele que perdoa ao irmão, é como se pedisse a Deus perdoasse as próprias faltas, na certeza absoluta que será perdoado. Aquele que não perdoa ao irmão mas pede a Deus perdão, não será escutado porque Deus o considerará um mentiroso. Com efeito, diz o Senhor, "se perdoardes aos homens suas ofensas, ambém o vosso Pai celeste vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens as ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas" (Mt 6, 14-15).

Se cada um de nós, no momento em que é tentado a julgar seu irmão, entendesse como dita a ele esta frase: "Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra" (Jo 8, 7), certamente pararia no seu julgamento.

Mas o Senhor exige que nosso perdão não se limite àqueles que reconhecem seus erros, diante de nós. O perdão, por mais sincero que seja, é limitado. Perdoar àquele que lastima o erro, pode parecer difícil a certas pessoas, no caso de falta cometida contra elas. Os que assim pensam, fazem do perdão um negócio pessoal, o que é falso. O perdão não é um interesse pessoal: É o grande interesse de Deus.

Perdoar ao outro não se dá sem a cruz daquele que foi crucificado para perdoar e salvar o mundo.

O perdão não fica na dimensão humana. É da graça incriada que vêm, para o homem, a misericórdia e o perdão. O perdão é adquirido, para a humanidade, pelo sacrifício voluntário do Senhor, Filho de Deus, Verbo-Carne, sobre a cruz. Perdoando ao homem, Deus saldou-lhe a dívida, aquela dívida insolúvel da parábola (Mt 18, 23-25). Então, o homem, pela força mesma do perdão, pode perdoar todas as dívidas do seu próximo. Aquele que perdoa a seu irmão, é pela graça mesma que ele recebeu pelo perdão de seus pecados, que ele perdoará, por sua vez, ao seu irmão. O perdão não é uma propriedade pessoal: O homem é o administrador do perdão divino e deve, sem cessar, aí haurir para verter sobre o outro.

Assim, é o perdão que precede o arrependimento e não o contrário. Pois que esperança haveria para o homem se o perdão não existisse antes do arrependimento? A contrição enxerta a alma no perdão divino.

Perdoar é um ato divino. Perdoar é a lei absoluta que Cristo deu à sua Igreja. Sem esta lei nenhuma relação pode subsistir nem desabrochar na Igreja, nem na pequena igreja que é o lar.

O homem deve perdoar a seu próximo, antes mesmo que este tome consciência do seu erro, porque o verdadeiro perdão engendra a esperança da conversão do outro.

A parábola do filho pródigo (Lc 15, 11ss.) mostra um pai que deixa o filho afastar-se dele sem julgá-lo. Espera o filho desde o primeiro instante que sabe que ele vai embora. Já espera com todo amor seu retorno. Já lhe perdoou. E é esta graça amorosa do perdão que faz nascer na alma do filho a esperança da volta e o arrependimento. É de longe que, vendo-o voltar, o pai precipita-se para tomar o filho nos braços.

O olhar do pai não julgou nunca, não condenou, nem abandonou o filho que, no entanto, tivera um comportamento totalmente negativo. O olhar do pai não prende o filho no erro, que ele considera com amor. Seu olhar já leva em si o incitamento à volta, à metanóia [mudança de critérios, conversão]. É este olhar de Deus, na sua paternidade toda divina, que Cristo nos pede ter para com nosso próximo.

Que absurdo se esta lei não fosse praticada pelo casal cristão! O casamento ensina a perdoar e ser perdoado. Se ambos viverem sob este olhar, que progresso espiritual não terão. Nada lhes será impossível pois amar o outro é o mandamento que, com o amor de Deus, contém todos os outros.

O matrimônio ensina a olhar o próximo como olha-o Deus. Desposar o olhar de Deus deve ser o desejo espiritual de todos os fiéis, especialmente daqueles que estão unidos pelo sacramento do matrimônio.

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