Pode-se
também olhar o próximo mostrando-se chocado com as diferenças, o que não deixa
de ser um julgamento. O racismo, por exemplo, é um julgamento que leva em si
uma sentença de morte.
É também condenar o outro marcá-lo com um carimbo negativo, concluindo que
definitivamente ele não pode mudar. Recusa-se assim ao outro a possibilidade de
transformar-se, de viver, de evoluir. Eis aí um julgamento definitivo.
O olhar do outro é fundamental para os casados, porque o olhar justo é a imagem
do olhar de Deus.
É no olhar de Deus que Pedro, tendo negado a Cristo, vê não só o perdão mas
também o seu resgate, a sua transformação e o seu dever espiritual. É no olhar
de Deus que a pecadora descobre não só o perdão mas também a possibilidade de
uma vida nova: "Vá e doravante não tornes a pecar!" (Jo 8, 11). Que
confiança e que fé nesta palavra! Se Deus não tivesse tido fé no homem que
pecou e d'Ele se afastou, o homem não poderia ter fé, nem em Deus, nem nele
próprio. Ele simplesmente não poderia reconciliar-se.
Como o olhar do outro é importante! Se ele é indulgente, amoroso, cheio de
esperança, que possibilidades não dá de o outro realmente mudar, evoluir,
transformar-se. A graça passa sempre através do olhar de cada um dos cônjuges.
Eis um dos principais pontos de apoio da vida espiritual do matrimônio.
Cada um vê como ele se vê a si próprio. Se a pessoa descobre sua alma no olhar
de Deus -que mostra as faltas ao mesmo tempo que perdoa- é nessa experiência de
ser perdoado, isto é, amado, que a pessoa haurirá a graça do perdão, segundo as
palavras sagradas do Pai-nosso: "Perdoai as nossas ofensas assim como nós
perdoamos aos que nos ofenderam" (Mt 6, 12).
Se, porém, o homem culpa-se a si próprio, não se perdoa por orgulho, isto quer
dizer que se julga e se condena, estimando que só sua opinião sobre si próprio
é importante. Recusa então o olhar de Deus. Será ele infalivelmente impiedoso
para com o próximo e o cônjuge. O olhar de Deus é TUDO na vida espiritual e
particularmente na experiência mística do matrimônio.
Se falta este olhar, então o coração é ocupado pela visão do mundo, com sua
sabedoria, suas leis, seus desastres e guerras. A secura espiritual reinará no
coração deste homem. Homem e mulher continuarão o pecado de Adão e Eva que,
seduzidos pela serpente, preferiram conhecer, isto é: ver o outro, o mundo e a
eles próprios com o próprio olhar, sem o olhar de Deus. Descobrem então o bem e
o mal.
Esforço ascético importante, que todos devem fazer, além de pedir na
oração humilde é converter-se, voltar no olhar de Deus, na sua luz que tudo
ilumina, distingue e transfigura.
Uma das grandes tentações do falso amor é aquela da monotonia e da
uniformidade. A obrigação de serem ambos iguais. Isso é contra a Trindade. Deus
é uno na essência mas distinto nas três pessoas. Cada pessoa é diferente das
outras duas, embora haja igualdade na essência e na unidade.
O mau julgamento está não só em constatar diferenças mas em pôr obstáculos à
vida pessoal: "Se você não for como eu, não poderemos viver juntos!
Torne-se igual a mim!" Isso é a negação da encarnação. Se Deus continuasse
Deus, o homem não poderia jamais ser deificado. Deus tornou-se homem,
permanecendo Deus, para que o homem se tornasse Deus, permanecendo homem. Deus
tornou-se "nós", para que nós nos tornássemos "Ele"!
O amor real é a revelação de pessoas e de naturezas. Deus não uniformiza nem
faz desaparecer a humanidade em proveito da divindade. Deus não destrói a
hipóstase-pessoa mas, ao contrário, revela a identidade profunda e real do
outro. No verdadeiro amor, cada um se esforça por tornar-se o outro, isto é,
por estar aberto à vida e olhar do outro.
Quanto mais o homem converge para Deus e recebe a natureza divina, pelas
energias incriadas e pela adoção, tanto mais sua verdadeira hipóstase lhe é
revelada. Mais e mais a pessoa descobre sua unidade com o cônjuge no casamento
e renuncia a si mesmo, a seus antigos preconceitos, por amor ao outro. Mais
renasce para sua verdadeira pessoa espiritual, para o homem interior.
Aquele que perdoa ao irmão, é como se pedisse a Deus perdoasse as próprias
faltas, na certeza absoluta que será perdoado. Aquele que não perdoa ao irmão
mas pede a Deus perdão, não será escutado porque Deus o considerará um
mentiroso. Com efeito, diz o Senhor, "se perdoardes aos homens suas
ofensas, ambém o vosso Pai celeste vos perdoará a vós; se, porém, não
perdoardes aos homens as ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as
vossas" (Mt 6, 14-15).
Se cada um de nós, no momento em que é tentado a julgar seu irmão, entendesse
como dita a ele esta frase: "Quem de vós estiver sem pecado, seja o
primeiro a lançar-lhe uma pedra" (Jo 8, 7), certamente pararia no seu
julgamento.
Mas o Senhor exige que nosso perdão não se limite àqueles que reconhecem seus
erros, diante de nós. O perdão, por mais sincero que seja, é limitado. Perdoar
àquele que lastima o erro, pode parecer difícil a certas pessoas, no caso de
falta cometida contra elas. Os que assim pensam, fazem do perdão um negócio
pessoal, o que é falso. O perdão não é um interesse pessoal: É o grande
interesse de Deus.
Perdoar ao outro não se dá sem a cruz daquele que foi crucificado para perdoar
e salvar o mundo.
O perdão não fica na dimensão humana. É da graça incriada que vêm, para o
homem, a misericórdia e o perdão. O perdão é adquirido, para a humanidade, pelo
sacrifício voluntário do Senhor, Filho de Deus, Verbo-Carne, sobre a cruz.
Perdoando ao homem, Deus saldou-lhe a dívida, aquela dívida insolúvel da
parábola (Mt 18, 23-25). Então, o homem, pela força mesma do perdão, pode
perdoar todas as dívidas do seu próximo. Aquele que perdoa a seu irmão, é pela
graça mesma que ele recebeu pelo perdão de seus pecados, que ele perdoará, por
sua vez, ao seu irmão. O perdão não é uma propriedade pessoal: O homem é o
administrador do perdão divino e deve, sem cessar, aí haurir para verter sobre
o outro.
Assim, é o perdão que precede o arrependimento e não o contrário. Pois que
esperança haveria para o homem se o perdão não existisse antes do
arrependimento? A contrição enxerta a alma no perdão divino.
Perdoar é um ato divino. Perdoar é a lei absoluta que Cristo deu à sua Igreja.
Sem esta lei nenhuma relação pode subsistir nem desabrochar na Igreja, nem na
pequena igreja que é o lar.
O homem deve perdoar a seu próximo, antes mesmo que este tome consciência do
seu erro, porque o verdadeiro perdão engendra a esperança da conversão do
outro.
A parábola do filho pródigo (Lc 15, 11ss.) mostra um pai que deixa o filho
afastar-se dele sem julgá-lo. Espera o filho desde o primeiro instante que sabe
que ele vai embora. Já espera com todo amor seu retorno. Já lhe perdoou. E é
esta graça amorosa do perdão que faz nascer na alma do filho a esperança da
volta e o arrependimento. É de longe que, vendo-o voltar, o pai precipita-se
para tomar o filho nos braços.
O olhar do pai não julgou nunca, não condenou, nem abandonou o filho que, no
entanto, tivera um comportamento totalmente negativo. O olhar do pai não prende
o filho no erro, que ele considera com amor. Seu olhar já leva em si o incitamento
à volta, à metanóia [mudança de critérios, conversão]. É este olhar de
Deus, na sua paternidade toda divina, que Cristo nos pede ter para com nosso
próximo.
Que absurdo se esta lei não fosse praticada pelo casal cristão! O casamento
ensina a perdoar e ser perdoado. Se ambos viverem sob este olhar, que progresso
espiritual não terão. Nada lhes será impossível pois amar o outro é o
mandamento que, com o amor de Deus, contém todos os outros.
O matrimônio ensina a olhar o próximo como olha-o Deus. Desposar o olhar de
Deus deve ser o desejo espiritual de todos os fiéis, especialmente daqueles que
estão unidos pelo sacramento do matrimônio.